De acordo com a pesquisa Nascer no Brasil, realizada pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, 45% das gestantes atendidas pelo SUS são vítimas de maus-tratos durante o parto, e no total, 36% das mães passam por tratamento inadequado.

“Na hora que você estava fazendo, você não tava gritando desse jeito, né?” 

“Não chora não, porque ano que vem você tá aqui de novo.” 

“Se você continuar com essa frescura, eu não vou te atender.”

“Cala a boca! Fica quieta, senão vou te cortar.”

Frases como estas estão presentes nos relatos de parto de diversas mulheres. Por definição, a violência obstétrica se dá por abusos sofridos por grávidas ao procurar o serviço de saúde para atendimento antes, durante ou depois do parto. Os maus tratos podem se apresentar de forma física ou psicológica, gerando trauma e aumentando o risco de depressão pós-parto.

Um exemplo de violência obstétrica é a realização indiscriminada da episiotomia, quando um corte no períneo é feito com intenção de prevenir lacerações na parturiente durante a saída do bebê. No entanto, este procedimento já se mostrou improcedente. Segundo a OMS, a episiotomia deve ser restrita a 10% dos partos, sendo realizada somente por extrema necessidade.

Apesar de atingir todas as pessoas gestantes, a violência obstétrica afeta de maneira específica os corpos pretos. Durante a Conferência Nacional da Promoção da Igualdade Racial, foi divulgado que a mortalidade materna é duas vezes maior para mulheres pretas. Alguns mitos como de que negras aguentam mais dor remetem à escravidão, e esse julgamento é refletido em números: estatisticamente mulheres pretas recebem menos anestesia do que brancas.

Paulo Gallo de Sá, professor assistente de ginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Uerj, explica os cuidados que a paciente deve ter ao procurar o médico no pré-natal.

“O mais importante da gente saber: o que que eu acho que uma paciente tem que ver no pré-natal? A sua relação médico-paciente. Seu médico te escuta? Seu médico é atencioso? O seu médico dá importância às suas queixas? O seu médico retorna suas ligações ou seus contatos? Você se sente amparada pelo seu médico? Você confia no seu médico? Perfeito!” 

Em setembro de 2019, o Conselho Federal de Medicina publicou a Resolução Nº 2.232, que trata da recusa terapêutica, o direito de um paciente recusar práticas sugeridas por seu médico, desde que esse informe dos riscos e das consequências previsíveis de sua decisão. A advogada especialista em violência obstétrica, Ruth Rodrigues, destaca as principais queixas de mulheres que sofreram violência durante o trabalho de parto.

“A principal que eu noto de todos os relatos que eu já recebi, durante todos esses anos que eu trabalho com isso, a principal queixa é a falta de escuta, por incrível que pareça. O que acontece: muitas mulheres falam assim ‘Ai eu falei que tava doendo mas ele não me ouviu’, ‘Eu falei que tava nascendo mas ninguém acreditou em mim’, ‘Eu falei que tinha alguma coisa errada, que aquele não era meu primeiro parto’. Então a maior queixa é a falta de atenção e a falta de escuta por parte da assistência.”

Para Suellen Coimbra, (profissão?) que teve uma experiência de parto recente, a companhia e o suporte do marido foram essenciais durante o trabalho de parto.

“Eu tive duas experiências, de um parto que foi emergencial do meu primeiro filho, que foi mais difícil, foi às pressas, meu marido não pôde acompanhar. E o segundo, que foi agora recente, e que ele tava ali do meu lado e foi fundamental o apoio emocional e o carinho dele, foi um momento único.”

Em leis federais, é garantido às parturientes o direito ao acompanhante durante todo o trabalho de parto e no pós-parto. Este acompanhante é escolhido por cada um, porém as legislações não são respeitadas por todos os hospitais, incluindo no SUS. Lis Coradi, de 38 anos e mãe de 3, foi vítima de violência obstétrica no parto da sua primeira filha. Ela relata que a experiência negativa a fez escolher partos domiciliares nas outras duas gestações.

“Eu achei que fosse chegar no hospital e iria conseguir fazer as coisas do jeito que eu tinha imaginado, e aí eu percebi que não era muito bem assim que as coisas aconteciam. Eu aprendi isso na marra, me arrependo muito de não ter ido por outro caminho, mas eu entendo que a culpa não é minha. A culpa é de toda essa construção que existe hoje na sociedade sobre parto, sobre cesária e sobre as violências.” 

O direito ao acompanhante é muito mais do que apenas emocional, servindo também como forma de prevenção. Juliana Bessa, doula e psicóloga perinatal, destaca que, além da importância do acompanhamento profissional, a instrução dos acompanhantes é fundamental, já que a doula não pode intervir na conduta médica.

“Entendemos que a gestante está num momento extremamente vulnerável. Então nem sempre ela vai conseguir se colocar alí, por isso a importância de quem vai acompanhar essa mulher, estar tão bem informado quanto ela, para que todos nós consigamos falar a mesma língua.” 

Em caso de violência obstétrica, a mulher pode e deve denunciar os profissionais e instituições responsáveis. A denúncia pode ser feita nas secretarias Municipal, Estadual ou Distrital, além dos conselhos profissionais das categorias. Outra opção é a Central de Atendimento à Mulher, pelo número de telefone 180.

Do Rio de Janeiro para a Rádio Uerj, Beatriz Pereira.