Desde o início de maio, o Rio Grande do Sul está em estado de calamidade pública devido às fortes chuvas que resultaram no maior desastre ambiental da história gaúcha. Esses eventos extremos são influenciados pelo fenômeno meteorológico El Niño, que esquenta os oceanos abaixo da Linha do Equador. Ele, porém, não é o único culpado por essa catástrofe. A tragédia no sul do país também chama atenção para os transtornos já conhecidos do Estado do Rio de Janeiro onde, infelizmente, a população também sofre com enchentes e desastres em épocas de chuvas. Mas, segundo pesquisadores, apesar da missão difícil, é possível diminuir os danos e fazer com que esses episódios sejam menos frequentes.
Não é novidade para o cidadão fluminense que problemas estruturais e ambientais só são debatidos nas épocas de chuvas. Segundo o professor do departamento de Geografia Física da Uerj Thiago Gonçalves, esses cenários são consequências das mudanças geográficas do Estado e da insuficiência de iniciativas públicas de prevenção, causando catástrofes de magnitudes cada vez maiores.
“Se utilizar do comportamento da natureza, para a gente tentar criar um padrão de ocupação que respeite isso, já é boa parte da solução desse problema. Mas o que a gente faz é o contrário, a gente tenta moldar a natureza ao nosso modo de ocupação e, pelo que eu vejo, a solução é justamente o contrário do que a gente tem na realidade.”, analisa Thiago.
O professor aponta que é preciso focar na contenção dos danos ambientais causados pela má exploração e falta de cuidado com a natureza e geografia local. As sequelas do desmatamento desordenado e as alterações nas bacias hidrográficas, e nos cursos dos rios, aumentam, cada vez mais, as possibilidades de presenciarmos grandes desastres. Assim, Thiago, como muitos outros, aposta no conceito de Soluções Baseadas na Natureza. Esse é um termo guarda-chuva para o conjunto de iniciativas que visa tomar como base processos naturais e adaptar obras e projetos conforme as características daquele ambiente, gerando benefícios sociais, ambientais e econômicos para a sociedade.
Dentre as ações possíveis, algo bastante discutido na atualidade são as cidades-esponja. Esse conceito busca criar um balanço hídrico artificial, ou seja, por meio de obras estruturais, fazer com que o volume de chuva seja absorvido e retorne ao ciclo da água de forma mais controlada. Sempre tentando ser o mais parecido possível com o balanço hídrico natural daquele lugar. O objetivo das cidades-esponja é dar espaço e tempo para o território lidar com aquele grande volume, colocando o espaço urbano em maior sintonia com a natureza, e não a moldando à revelia. Apesar de concordar com a ideia, o professor alerta para a necessidade de ser realista:
“Mas não adianta a gente implementar isso se a gente tem outros problemas básicos não solucionados, como uma boa infraestrutura de rede de esgoto, de escoamento pluvial […] Então eu vejo como positivo, sim, mas nós aqui no Rio de Janeiro temos problemas mais urgentes e mais sérios que eram para ter sido resolvidos lá na base.”, aponta Thiago.
A melhor solução para essa questão seria um conjunto de ações que, a longo prazo, teriam efeito na redução dos efeitos dos grandes eventos climáticos. É o que diz o professor da Faculdade de Engenharia Civil e Ambiental Julio Cesar Da Silva. Para ele, investir em infraestrutura é importante, mas é preciso também das obras não estruturais, que seriam abarcadas em um plano para envolver a população na causa. Essa inclusão precisa ir além da conscientização, tornando o cidadão sujeito ativo para conceitos como o de cidade-esponja darem certo:
“Porque a população também precisa se sentir parte disso. Enquanto eu não criar a cultura na sociedade dessa questão de riscos e desastres, eu não consigo avançar. Então, não dá para transformar uma cidade-esponja sem contar com a sociedade, então precisa avançar também nesse conceito e disseminar isso na sociedade. A sociedade precisa saber o que é isso, ela precisa saber qual o papel dela nesse contexto, porque não adianta eu fazer isso e as pessoas continuarem jogando lixo na calha do rio, as pessoas continuarem fazendo uso de desmatamento, as pessoas continuarem fazendo ações que elas estão indo contra o conceito que a gente tá tentando implantar. Então, a cidade, ela só vai conseguir implantar isso se a sociedade também vestir essa camisa”, analisa Julio.
Julio também ressalta que as mudanças para uma convivência melhor com esses fenômenos climáticos ainda são possíveis, do ponto de vista da engenharia. Acima de qualquer obra ou nova medida, a manutenção e aprimoramento de programas que já existem são fundamentais para o funcionamento das cidades. Cabe a nós, a população, cobrar aos dirigentes públicos a conservação de galerias pluviais, limpeza de bueiros, melhor infraestrutura em áreas de risco e melhoria do escoamento das ruas, por exemplo. Com a garantia do mínimo, já é possível conter danos e começar a pensar em uma transformação da cidade a longo prazo para que, no futuro, possamos ter menos notícias como as de todos os verões.
Do Rio de Janeiro para a Rádio Uerj, Juliana Araujo.