A cada ano que passa a violência contra mulher aumenta. Prova disso é que três delas são assassinadas diariamente por conta do gênero, no Brasil. Estas afirmações refletem o 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, com dados referentes a 2022, no qual mostra que 1.437 mulheres foram vítimas de feminicídio. Deste total, 879 eram negras e 1.033 tinham entre 18 e 44 anos.

O anuário revela que sete em cada 10 feminicídios aconteceram dentro de casa e o número de agressões por violência doméstica e familiar ultrapassou 245 mil casos. A maioria dos assassinos eram companheiros ou ex-companheiros das vítimas. O estudo ainda revela que parte dos assassinatos foi cometido por alguém da família. O restante se divide entre homens conhecidos e desconhecidos.

Flávia Ribeiro, advogada e atual presidente da Comissão da Mulher na Ordem dos Advogados do Brasil, na seccional do Rio de Janeiro, explica que os homens que matam mulheres não têm características específicas. E nos casos em que o assassino é próximo da vítima, há um agravamento na pena do crime.

“Nós não temos um perfil definido desse feminicida. Ele pode ser um homem extremamente calmo, considerado um excelente pai de família, um excelente homem de família para a sociedade, mas que, nessa relação de gênero com a mulher se torna agressivo. É um feminicida acima de suspeitas. Por isso falo que não existe um perfil de um homem feminicida. A violência doméstica ocorre no ambiente privado e, normalmente, esses feminicidas, agressores de mulheres, têm a confiança delas, então isso se torna uma agravante, porque seria uma pessoa que ela jamais consideraria que iria lhe fazer mal”, explica a Presidente da Comissão da OAB Mulher.

A pesquisa não incluiu os 130 casos de assassinatos de mulheres transexuais por sua identidade de gênero, o chamado trans-feminicídio. Esta informação foi divulgada pelo Dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, que revelou em um relatório anual, que 2023 teve um aumento de 11 casos em relação ao ano anterior.

Em 2022, o Superior Tribunal de Justiça definiu que casos de violência doméstica contra mulheres trans devem ser julgados com base na Lei Maria da Penha, mas o trans-feminicídio ainda não faz parte da lei do feminicídio. Flávia Ribeiro defende que estes casos devem ser julgados sob a mesma ótica.

“As mulheres trans já sofrem todo um estigma por serem LGBTQIA+, então, se você não enquadrar elas nesse conjunto dos crimes que a Lei Maria da Penha abarca, deixará elas muito desprotegidas. Ainda mais as mulheres negras trans, que já tem a interseccionalidade na questão da raça. Elas sofrem todas as vulnerabilidades de raça, gênero e orientação sexual. Quando você não aplica a Lei Maria da Penha a esses casos está deixando uma pessoa em extrema vulnerabilidade sem uma proteção ou garantia legislativa”, explica Ribeiro.

Outros dados do estudo de 2022 mostram que os homens também violentaram as mulheres de outras formas. A soma de ameaças, perseguições e abusos psicológicos contra elas passou dos 690 mil casos. Além disso, abusaram sexualmente de 66 mil mulheres e meninas, e cometeram crimes de cunho sexual outras 33 mil vezes. As casas das vítimas foram as principais cenas dos crimes. Flávia explica os padrões mais comuns em relacionamentos abusivos, e que podem acabar em feminicídio.

“O feminicídio é o último estágio de um ciclo que já vem se desenhando há bastante tempo. Normalmente, um relacionamento abusivo começa com uma violência psicológica. Depois essa violência psicológica pode se transformar numa violência física. E aí, tem um ciclo da violência contra a mulher, que é, vem a briga, depois a lua de mel, no qual ela acredita na mudança daquele homem, então vai se tornando uma coisa mais agressiva, e continua, até culminar com feminicídio. Mas existe feminicídio de homens e mulheres que não se conhecem, crimes de estupro que podem ter consequência mais grave, a consequência à morte, também é considerado um feminicídio”, esclarece a advogada.

O Superior Tribunal de Justiça estabeleceu, como meta nacional para 2024, julgar todos os processos de crimes de violência doméstica e feminicídio distribuídos até 2022. E há 18 anos, a Lei Maria da Penha luta pelo fim do ataque contra mulheres, seja física, psicológica, sexual, patrimonial ou moralmente. As vítimas também podem buscar pela Rede ou Delegacia de Atendimento à Mulher, entre outros órgãos de proteção. E todas as pessoas podem denunciar esses crimes por meio do telefone 180.

Esta matéria é em memória de Luiza Braga e Gabriela Souza, alunas da Uerj que foram vítimas de feminicídio em 2019 e 2023.

Do Rio de Janeiro para a Rádio Uerj, Lorran Rosa.