A representatividade negra traz à luz de conhecimento minorias sociais que não estão representadas nos cargos de maior poder e prestígio social, como em filmes e novelas. Isso configura um dano discriminatório que precisa ser reparado com celeridade. Esses grupos minoritários, que não tem relação com quantidade, mas sim com a ausência de representação, encaram o fato como motivação de luta, marchando em prol da derrubada de modelos de exibição incoerentes e que não sejam contemplativos ou verdadeiros.

Um exemplo disso foi a novela brasileira Segundo Sol, de 2018. A obra, que se passou na Bahia, tinha como elenco majoritário atores e atrizes brancos. Isso contrasta com o fato do estado ter mais da metade de sua população autodeclarada negra. A escalação do elenco da novela causou questionamentos sobre os motivos da produção não ter contratado profissionais que representassem verdadeiramente o povo baiano.

O viés racista nas novelas veio para preencher um espaço vazio e perpetuar estigmas. Patricia Sobral de Miranda, pesquisadora e diretora da faculdade de Comunicação Social da Uerj, relembra que obras da teledramaturgia brasileira reforçaram o racismo estrutural na história do país.

“A naturalização como a gente via naquele momento os negros com essas características de subalterno, de ser musculosos, de estarem suados, de falar alto, é mais um retrato desse racismo mesmo, né? Na Avenida Brasil por exemplo [novela], quando eles começaram a tratar do suburbano também tinha essa coisa; o suburbano que falava alto, o suburbano que que não sabia se comportar, que era muito exagerado, que gritava, que chorava; enfim, que era todo muito histérico.’’, aponta Patricia.

Déo Garcez, ator da novela Mar do Sertão transmitida pela Rede Globo, afirma que a teledramaturgia reflete a sociedade racista, preconceituosa e excludente.

“Até recentemente, o personagem interpretado por uma atriz ou um ator negro tinha ali descrito: Maria, atriz negra; José, ator negro; quando normalmente isso não acontece quando se trata de atrizes e atores brancos. O racismo já começa por aí. Então é assim que eles são descritos na escalação e geralmente são escalados para personagens subalternos, escravos, empregados domésticos.”, disse o ator.

Apesar do acesso ao gigantesco banco de produções com teor racista, os mesmos erros se repetem, mas de acordo com Déo Garcez o cenário da representatividade negra mudou positivamente nos últimos 25 anos.

“Eu entregava com uma emoção, com uma intenção, com um sentimento de fato, ainda que no texto não tivesse. E também questionando, como por exemplo, vê uma cena que ali tá obviamente uma situação que reforça o preconceito racial hoje presente na nossa sociedade, a gente chega e conversa: “Diretor, que que você acha? Será que a gente pode modificar esse jeito de falar para que não reforce o racismo estrutural acontecendo na sociedade e no mundo? Nosso veículo, o teatro, o cinema e a TV, deve ser um instrumento também de luta antirracista.”, afirma Déo Garcez.

Embora a representatividade racial tenha atingido patamares melhores, de fato o racismo nas novelas fomenta o apagamento. A prática de posicionar o negro é de forma pejorativa e tendenciosa, promovendo a difusão de preconceitos. O ativismo negro vem defender e salvar vidas negras, combatendo a deturpação da imagem dessa camada da sociedade. A pressão para que negros sejam colocados em papéis de prestígio é uma forma de desestruturar o status quo. Patricia Miranda relata que já existe uma preocupação de garantir os espaço para roteiristas negros em produções, em especial nas séries, formato que aumentou o número de obras de teledramaturgia.

“Não é uma questão impositiva, se for uma questão impositiva vai ter essa coisa das cotas. Tem que marcar uma cota, tem que ter um negro no anúncio de margarina. Não é exatamente por aí que a gente quer, a gente quer que esses atores e as questões da negritude estejam presentes nas novelas porque elas são genuínas, porque elas são da sociedade brasileira como um todo e porque elas são escritas por roteiristas que tem essa experiência, que tem esse olhar.”, disse a pesquisadora.

Dessa maneira, ainda vemos que há uma longa caminhada de combate ao racismo, não só nas teledramaturgias, mas em qualquer setor nas relações interpessoais. Esse combate deve se manter fervoroso, pois a sociedade vive um mundo novo onde a inferiorização, seja racial, de gênero ou qualquer outra, não tem mais espaço para se manter.

Do Rio de Janeiro para a Rádio Uerj, Maria Eduarda Oliveira.