Em uma cerimônia repleta de diversidade e discursos emocionados, Keila Simpson recebeu o título de Doutora Honoris Causa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), na Capela Ecumênica, no campus Maracanã, no dia 18 de abril. Keila é travesti, ativista dos direitos LGBTQIAPN+ e presidente fundadora da Associação Nacional de Travestis e Transexuais. Com esta concessão, ela se torna a 16ª pessoa trans no Brasil com doutorado, segundo dados da Antra.

Participaram do evento a reitora professora Gulnar Azevedo e Silva, o vice-reitor Bruno Deusdará, a professora Sara York, doutoranda em Educação pela Faculdade de Formação de Professores da Uerj, e Patrícia Santos, coordenadora de estudos para a criação da Superintendência para a Equidade Étnico-racial e de Gênero.

Uma pesquisa realizada pela Antra, em 2022, mostra que cerca de 70% da população trans e travesti não concluíram o ensino médio e que somente 0,02% tiveram acesso ao ensino superior. Simpson foi expulsa da escola ainda jovem por conta do preconceito e por isso afirma que receber o título de doutora é motivo de orgulho e inspiração para outras pessoas.

“É importante quando a universidade, especialmente aqui na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, outorga um título de tamanha importância para uma travesti que viveu quase toda sua vida na prostituição. Eu desejo, de fato, que outras pessoas como eu, que trabalham muito, que não tem condição de estar na universidade por conta de preconceitos, também possam merecer esse título um dia”, ressalta a homenageada.

No evento, Sara Wagner, colaboradora da Antra e uma das responsáveis pela escolha da ativista para receber a honraria, fez um discurso emocionado. A doutoranda destaca o papel das universidades na formação de estudantes e professores trans.

“As universidades têm se preocupado de alguma forma com a formação para a diferença e para a diversidade nas últimas décadas. Então, quando vejo professores que são o que nós somos: desviantes, tortos, abjetos, coloridos de tantas outras formas, estamos dizendo ‘se eu tô aqui você pode vir para cá, esse lugar também é seu’. E a gente tá numa universidade pública”, afirma a educadora.

Patricia Santos, que coordena os estudos para a criação da Superintendência para a Equidade Étnico-racial e de Gênero, diz que essa diretoria tem um papel importante em pensar nos gêneros plurais que estão presentes na Uerj.

“Não podemos mais deixar de pensar que existem pessoas trans nessa universidade”, afirma Patricia.

A reitora Gulnar Azevedo e Silva explica que por ser uma instituição pública, a Uerj deve criar um cenário plural e agradável a todas as pessoas que desejam estar presentes no ambiente acadêmico.

“Nós temos que criar as condições concretas para que a diversidade possa estar dentro da universidade”, defende a reitora.

A doutora Keila Simpson já recebeu outros méritos pelo seu pioneirismo e importância na luta pelos direitos da comunidade LGBTQIAPN+. Em 2013, Simpson ganhou o Prêmio Nacional de Direitos Humanos concedido pela presidente Dilma Rousseff. Porém, nenhum destes títulos, inclusive, o Honoris Causa, maior honraria universitária, tem importância se não contemplarem outras pessoas trans e ajudarem na sua luta.

“[Eu espero] que a partir daqui a Uerj possa ser mais travestilizada e transgenerizada, para que as pessoas possam transitar livremente nesses espaços, senão não teria necessidade desse título. ‘Você dá o título de doutora para uma travesti e o resto da população ficará como? Vai estar aonde?’ Sofrendo ainda as mazelas e os preconceitos e as discriminações que os campus e a cisheteronormatividade fazem. Então, é preciso trabalhar na prática para que esse título que está sendo concedido a mim agora possa favorecer outras pessoas que estão agora nesse campus e outras que virão pra cá depois.”

Com produção de Lisandra Oliveira e Lorran Rosa, e colaboração de Cristina Lameira, do Rio de Janeiro para Rádio Uerj, Lisandra Oliveira.