O Governo Federal criou um grupo para iniciar o processo de regulamentação de trabalhadores de aplicativo. Esse projeto atende a proposta de alterar a legislação trabalhista, que o atual presidente da República fez durante a disputa eleitoral. Dentre outros pontos, a promessa inclui, a partir de um amplo debate, uma extensa proteção social a todas as formas de ocupação, emprego e relação de trabalho. 

O Executivo já iniciou o processo de debate e negociação com essa classe. No dia 25 janeiro ocorreria uma paralisação nacional desses trabalhadores pedindo por direitos e fim da precarização. No entanto, uma semana antes, o secretário de Economia Solidária, Gilberto Carvalho, representou o Governo Federal em uma reunião com a categoria, e os trabalhadores em resposta ao aceno suspenderam a greve. Uma das justificativas do secretário foi de que a proposta de regulamentação estava entre as prioridades da presidência. 

Em uma cerimônia com centrais sindicais no Palácio do Planalto, no dia 18 de janeiro, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, disse que as condições vividas por essas pessoas beiram a escravidão. Além disso, ele pediu que os aplicativos não se assustem com a proposta.

No entanto, não é de hoje que essa questão é uma pauta a ser resolvida pelo Governo Federal. Em 2022, o então ministro do Trabalho e Previdência, José Carlos Oliveira, disse que anunciaria uma proposta para regulamentar os trabalhadores de aplicativo, o que não aconteceu. Na época, a Agência Brasil afirmou que a proposta deveria equilibrar as necessidades dos prestadores, das empresas e dos consumidores desses serviços.

O professor de Direito do Trabalho da Uerj, João Batista Berthier, alerta que não há uma lei própria para esses trabalhadores, mas eles poderiam ser facilmente colocados na CLT. Ele usa o entendimento de que o artigo 6º dessa legislação diz que os meios tecnológicos também servem para subordinar. 

“Quais são os requisitos pra você ser um empregado? Ser um ser humano. Trabalhar com pessoalidade, ou seja, você faz o trabalho não outros. Onerosidade, o cara faz isso pra ganhar dinheiro. Não eventualidade, faz isso o tempo todo. Porque até porque a remuneração é baixa tem que trabalhar muito dia, muitas horas pra fazer uma renda. E subordinação. Aí que alguns falam, ‘ah mas ele não está subordinado, ele pega a corrida quiser.’ Só que a subordinação mudou. Antes era um gerente comandando você. Agora um algoritmo que induz conduta.

Segundo uma pesquisa divulgada em 2021 pela Universidade Federal do Paraná, o Brasil conta com quase um milhão e meio de trabalhadores nos aplicativos. Essa classe não possui vínculo empregatício, mas desde 2019 os motoristas de plataformas podem se inscrever como contribuintes individuais ou como Microempreendedor Individual. Isso permite que eles saiam da informalidade e passem a contribuir com o INSS, lhes garantindo benefícios previdenciários como auxílio doença e aposentadoria por idade. 

O motorista da Uber, Selesio Pereira, conta que já precisou de um auxílio, mas a plataforma não lhe ofereceu porque a corrida já tinha acabado. 

“Eu bati no carro do rapaz, só que não estava em corrida. Eu tinha já terminado o expediente, então a Uber não te respalda quando você não está em serviço né? Diferente do um emprego de CLT que a sua ida até o trabalho, a sua volta até em casa ela é respaldada, né? Sofreu algum acidente você pega o auxílio doença.”

Ainda segundo Selesio, a regulamentação é importante, mas desde que haja um meio termo entre a empresa e os trabalhadores. 

“Eu acho que é importante a regulamentação. Só acho que não vingaria entrar todas as leis da CLT por tudo que eu falei, por todos os encargos e porque seria mais fácil a Uber, 99, retirar o serviço do país. E aí dessa forma nós que somos motoristas ia ficar meio que sem ter onde pra onde correr”

Alguns lugares pelo mundo regulamentaram essa classe. Em Nova York, por exemplo, a lei obriga o salário mínimo, transparência sobre as gorjetas deixadas pelos clientes, uso de banheiro nos restaurantes onde buscam a comida e o fornecimento de mochilas de entrega. No Reino Unido, a Suprema Corte Britânica ordenou que a Uber precisa conceder salário mínimo, férias remuneradas e um plano de pensão aos trabalhadores. 

Obtido pelo The Intercept em 2022, um projeto de lei preliminar foi elaborado pelo Ifood para criar um vínculo entre a empresa e os trabalhadores de modo comercial, e não empregatício. Seriam criadas duas categorias. Os trabalhadores passariam a ser os “Prestadores de Serviço Independentes” e as empresas “Operadoras de Plataforma Tecnológica de Intermediação”, que fariam a conexão entre o trabalhador e o restaurante. Sendo de natureza comercial, essa relação não se aplicaria à CLT. 

Pedimos um posicionamento para algumas empresas envolvidas. A Uber não disponibilizou nenhum veículo para contato e a 99 e o Ifood não se posicionaram até o fechamento da reportagem. 

Do Rio de Janeiro para a Rádio Uerj, Yan Ney.