A Uerj foi palco da retomada dos trabalhos para a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, a CNCTI, o mais importante evento voltado ao debate de políticas públicas para o setor, que acontece em junho, em Brasília. 

Após uma pausa de 14 anos, a quinta edição, em fase de preparação, discutiu as necessidades da área, com destaque para a participação feminina. Nos dias 15 e 16, a programação ficou por conta da conferência “Mais Meninas e Mulheres na Ciência: por uma agenda de equidade e interseccionalidade”. Os encontros contaram com mesas e grupos de trabalho sobre a inclusão de gênero no campo científico. 

As discussões abordaram o impacto da construção de estereótipos de gênero e raça, assédio, dificuldades para o financiamento de pesquisas, representatividade e políticas de cuidados e maternidade, temas presentes na vida da mulher cientista. Organizadora e participante da sessão de abertura, a biomédica Jaqueline Goes de Jesus, pesquisadora brasileira que coordenou o sequenciamento do genoma do coronavírus, pontuou que as dificuldades começam já nos papéis sociais e constitucionais atribuídos ao gênero. 

“A gente tem que pensar em como as políticas públicas são pensadas e executadas, obviamente, mas, para além de políticas públicas, como a legislação do nosso país, ela coloca a carga principalmente de cuidados em um papel social que a mulher precisa ocupar. No lugar e nas costas, digamos assim, dessa mulher. Então, obviamente ela não vai ter os mesmos produtos, a mesma produtividade de um homem. Esse é o primeiro ponto. A gente pode pensar aqui em licença maternidade, que para a mulher é um tempo muito maior do que para os homens. E a gente já tem países que fazem isso de forma pareada, então eles escolhem, o casal, enfim, a nova família ali escolhe quanto tempo cada um vai dedicar, e aqui não existe isso”. 

Em sessão solene com autoridades do Rio de Janeiro e do Governo Federal, a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, destacou como as mulheres são maioria na iniciação acadêmica, mas que no topo da carreira, há um afunilamento que representa um percentual de 35%, revelando como as amarras sociais interferem no cotidiano das cientistas. Ela também destacou como esses encontros já apontam caminhos e problemas que devem ser enfrentados pela sua pasta, além de anunciar medidas em andamento. 

“Não são poucos os casos de assédio, de violência de gênero, sem falar na sobrecarga do trabalho invisível. Pesquisas indicam, por exemplo, que as mulheres dedicam quase o dobro do tempo dos homens para afazeres domésticos e de cuidados. A lógica da produção científica, infelizmente, até hoje, não leva em consideração as especificidades da mulher, como a própria maternidade. O gesto do CNPq de incluir no currículo Lattes a possibilidade do registro de informação sobre filhos e licença maternidade pode gerar dados importantes, ainda que o registro não seja obrigatório e não público, poderá impulsionar políticas de concessão de apoio. Esta mesa, aqui composta só por mulheres, quer dizer isso: lugar de mulher é na ciência e em lugares de poder de decisão”. 

Durante a solenidade, a reitora da Uerj, Gulnar Azevedo e Silva, ressaltou a importância da Universidade como palco da retomada do CNCTI, e como é preciso estar de portas abertas para discutir uma formação de qualidade e próxima a quem entende o papel vital da ciência. 

“Super importante porque a ciência é fundamental, a gente não tem dúvida disso. É nosso papel contribuir com portas abertas para discutir nossa formação de qualidade e as oportunidades que a gente tem aqui na Uerj, de estar favorecendo mais profissionais que entendam o papel da ciência, e que saibam que, para a gente fazer ciência, a gente tem que estar próximo dos movimentos sociais, entendendo também a reconstrução do país e o aporte que a gente pode dar para o nosso estado.” 

Por fim, Jacqueline compartilha um conselho para as meninas e mulheres que sonham com a carreira científica: 

“Acho que o principal conselho que eu dou para as meninas e mulheres que querem buscar carreira na ciência é persistir, é não desistir daquilo que entende como vocação, como desejo. Principalmente porque a carreira não é linear, então vai haver altos e baixos, incentivos e barreiras que elas precisam ultrapassar. Mas não desistir é o principal conselho que eu dou, porque foi o que funcionou para mim”. 

Com colaboração de Eduardo Moncken, do Rio de Janeiro para a Rádio Uerj, Juliana Araújo.