O que você pensaria caso visse uma enorme mancha branca num dos maiores cartões postais do Rio de Janeiro?

Em janeiro de 2023, um grupo de montanhistas notou um líquido escorrendo pelo morro do Pão de Açúcar, o que gerou estranheza em quem viu a cena, tenha sido presencialmente ou pelas redes sociais. Questionada sobre o que se tratava aquilo, a Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar, empresa que administra o monumento, informou que se tratava de um resíduo natural, proveniente de uma obra para a construção de 4 tirolesas que ligarão o Pão de Açúcar ao Morro da Urca.

A partir daí, muitos protestos começaram a acontecer para impedir que a obra continuasse, já que ela causaria impactos ambientais e danos irreversíveis à rocha. As manifestações resultaram na criação do Movimento Pão de Açúcar Sem Tirolesa, formado por vários representantes da sociedade civil, como moradores do bairro da Urca, advogados, jornalistas, geólogos, montanhistas, entre outros. O grupo descobriu diversas irregularidades no processo de licitação das obras. Eles alegam que a sociedade civil não foi consultada e que as licenças concedidas aconteceram em desacordo com os trâmites legais, uma vez que são contrárias ao plano diretor do município do Rio de Janeiro que considera a área como non aedificandi, ou seja, faixa de terra onde não é possível construir, por segurança, de acordo com o Decreto Lei nº 25/1937 e a portaria nº 420/2010 do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o IPHAN. Além disso, foi descoberto que a empresa havia apresentado um anteprojeto de “reforma simplificada” ao instituto, sem mencionar qualquer extração de terra, o que garantiu a aprovação da reforma. Após visitação, o IPHAN interrompeu imediatamente a obra, fazendo com que a empresa apresentasse o projeto executivo e, 11 dias depois, contrariando seu decreto, o Instituto aprovou que as obras continuassem.

Sergeo Alvim, advogado e um dos representantes do movimento Pão de Açúcar Sem Tirolesa, afirma que a conduta do IPHAN é contraditória com as próprias normas internas do Instituto: “Então, é muito estranho a conduta do IPHAN ferindo várias legislações. O decreto-lei 25, de 30 de novembro de 1937, que tem o artigo 17, é muito claro, diz que você não pode mutilar, demolir ou destruir um bem tombado. Temos as próprias normas internas, como a resolução 4210 de 2010, que determina um trâmite lá dentro do IPHAN, em que você tem que apresentar uma série de etapas dos projetos para, aí sim, aprovar o início da obra. Isso foi tudo passado por cima, não foi cumprido nenhum desses itens, estranhamente o IPHAN autorizou.”

A preservação do Pão de Açúcar de danos irreversíveis é o principal foco da luta do Movimento Pão de Açúcar Sem Tirolesa. A extração de rocha para a construção significa a destruição do ponto turístico que, em 2010, foi tombado como patrimônio da humanidade pela UNESCO. Rodrigo Paixão, professor e pós-doutorando em geografia pela Uerj, ressalta que a rocha do Pão de Açúcar foi formada por processos geológicos de milhares de anos, e que não é possível essa formação ser reproduzida novamente: “O morro do Pão de Açúcar e o da Urca são monumentos geológicos e patrimônios da humanidade, certificados pela Unesco, justamente por conta desses processos geológicos que ocorreram para ter aquele tipo de rocha, aquela morfologia de relevo, específica da Cidade do Rio de Janeiro, que gera aquela beleza cênica, aquele cartão postal da cidade. Então, um dos grandes impactos ambientais da retirada de material, de volume de rocha, é justamente esse, porque muitas vezes as pessoas, de uma maneira geral, esquecem que para chegar naquela forma foram vários processos geológicos e tectônicos que ocorreram para aquela rocha se formar, e que a gente não consegue resgatar, de uma maneira geral”.

Quando o desenvolvimento econômico não está atrelado a preservação ambiental, o resultado acaba sendo como os vistos nas queimadas da Amazônia e do Pantanal, por exemplo. Sergeo ressalta a tristeza em ver que as instituições se preocupam mais com o lucro do que proteger um bem comum do povo: “É muito triste você ver que, entre um princípio básico, que é proteger o meio ambiente, patrimônio histórico, se deu mais peso ao prejuízo que a empresa pode ter pela obra parada. É o que significa isso? É uma mensagem das instituições de que mesmo fazendo as coisas de forma incorreta, o que está sendo sinalizado é que não tem problema você descumprir essa ou aquela regra, que é muito mais importante, teoricamente, um desenvolvimento econômico, de turismo — que é teórico esse discurso, carece de maiores dados — do que proteger um bem público que estar lá, constitucionalmente protegido, bem de uso comum do povo? O meio ambiente é um bem comum do povo, então a proteção a este bem deveria ser muito maior do que outro”.

No dia 1° de março, a obra de construção das tirolesas, que estavam embargadas, foram liberadas novamente pelo voto de dois desembargadores da 7ª turma especializada do Tribunal Regional Federal. O Ministério Público Federal, autor da ação contra a Companhia Aérea Caminho Pão de Açúcar, vai recorrer. Além disso, a ONG Alemã World Heritage Watch se juntou aos protestos contra a obra e divulgou uma carta aberta ao presidente Lula, fazendo um apelo pela interrupção do projeto.

A Rádio Uerj entrou em contato com a Companhia Aérea Caminho Pão de Açúcar pedindo esclarecimentos sobre o caso, mas não obteve retorno. Ao entrar em contato com o IPHAN, a instituição informou que estavam trabalhando para nos responder, mas não retornaram a tempo do fechamento desta matéria.

Para conhecer mais o movimento Pão de Açúcar sem tirolesa, assinar o abaixo-assinado e acompanhar as novidades do processo, visite o Instagram @paodeacucarsemtirolesa.

Do Rio de Janeiro para a Rádio Uerj, Carlos Cavalcante